Com ofensas e piadas grotescas, humorista lidera a turma cada vez mais numerosa de comediantes fora do tom
Mauricio Xavier [Com reportagem de Flora Monteiro, Nathalia Zaccaro e Pedro Henrique Araújo] | 05/10/2011
 
      'Eu c... ela e o bebê. Não tô nem aí': Rafinha  Bastos, sobre Wanessa Camargo, após Marcelo Tas, companheiro de 'CQC',  dizer que ela está muito bonita grávida
Omar Paixão
Não é fácil ser engraçado. Mais  difícil ainda é não sair do trilho ao caminhar por algumas fronteiras  tênues desse universo. Para fazer rir, é preciso ir além do que prega o  senso comum. Em vários momentos, desafiar a patrulha politicamente  correta. Afinal, humor a favor tem tanta graça como dançar com a irmã.  Um passo em falso, no entanto, pode tirar o comediante do campo da  irreverência e da ousadia e pôr tudo a perder. Quando a piada se  sustenta sobre preconceitos ou grosserias gratuitas, o resultado é  sempre constrangedor e ofensivo.
+ As frases infelizes de Rafinha Bastos e de outros comediantes
+ As frases infelizes de Rafinha Bastos e de outros comediantes
Dentro da nova geração do humor brasileiro, boa parte dela formada  por talentos surgidos nos palcos paulistanos ou nos programas de TV  produzidos por aqui, muitos parecem não ter aprendido ainda a lição mais  básica do seu ofício. Para essa turma, é engraçado fazer troça de  autistas, de vítimas do holocausto ou das minorias, para citar apenas  alguns exemplos recentes. Nessa lamentável competição da comédia de  baixaria, quem vem se destacando é Rafinha Bastos.
Divulgação e Rafael Cusato

Ofensa  gratuita: Ronaldo, sócio de Marcos Buaiz, marido de Wanessa Camargo,  teria rompido com o 'CQC' e ligado para a cúpula da Band
O gaúcho de 34 anos faz sucesso em várias frentes. Está entre as  estrelas do “CQC”, da Band, atração que registra picos de audiência de 8  pontos no Ibope e chega a ficar em segundo lugar em seu horário nas  noites de segunda. No teatro, os shows do rapaz lotam o Comedians, na  Rua Augusta, casa da qual é um dos sócios. Na internet, seu Twitter tem  cerca de 3 milhões de seguidores e ele chegou a ser apontado pelo jornal  americano “The New York Times” como o mais influente do mundo, à frente  de nomes como Lady Gaga e Barack Obama. Na publicidade, foi visto em  mais de 730 comerciais somente neste ano.
Como efeito colateral de toda essa popularidade, Rafinha parece que  vestiu a carapuça de gênio acima do bem e do mal, achando que tem o  direito de fazer e falar qualquer coisa. No último dia 19, superou-se na  capacidade de dizer coisas grotescas. Instado a comentar uma cena que  exibia a cantora Wanessa Camargo, grávida de cinco meses de seu primeiro  filho, engrossou a antologia de barbaridades levadas ao ar com esta  inacreditável frase: “C... ela e o bebê”. O comentário não estava no  roteiro. Ou seja, o comediante improvisou na hora o “caco”.
No dia seguinte, o site da “Folha de S.Paulo” criticou a postura do  humorista. Desdenhando, ele respondeu em seu Twitter, com a mesma  impecável elegância: “Olá Folha de SP, vai tomar no olho do teu...”. Na  Band, ninguém achou graça da história. “A emissora não gostou da piada e  ainda está avaliando um possível afastamento dele do programa”, afirma o  diretor artístico e de programação, Hélio Vargas, que ligou  pessoalmente para o empresário Marcos Buaiz, marido de Wanessa, para se  desculpar.
Agliberto Lima

A delegada Rosmary: representação no Ministério Público
Segundo a coluna de Mônica Bergamo, publicada na “Folha de S.Paulo”  na última quarta (28), o ex-jogador Ronaldo, sócio de Buaiz na agência  de marketing esportivo 9ine, teria reclamado à cúpula da Band, pedido  providências e rompido com a turma do “CQC” por causa da declaração. Em  março, o Fenômeno chegou a participar das brincadeiras do programa,  cumprindo uma promessa de subir numa balança para que todos pudessem  conferir seu peso.
Procurado por VEJA SÃO PAULO, Rafinha não quis comentar a repercussão  do caso e limitou-se a dizer: “Sou comediante, faço piada. Acho a  discussão válida, mas outras pessoas podem comentar melhor sobre o  assunto”. Mas não há muito que discutir. E seus próprios colegas de  bancada no “CQC” acham isso. “Não gostei, isso não é piada, não se  encaixa na categoria humor. É uma deselegância, uma agressão gratuita.  Ele foi infeliz”, diz o comandante da atração, Marcelo Tas. “Acho que o  'CQC' precisa superar a adolescência, passar dessa fase de rebeldia sem  causa”, completa.
Não foi a primeira derrapada feia do humorista. Em maio, outra  declaração sua provocou um tremendo mal-estar: “Toda mulher que eu vejo  na rua reclamando que foi estuprada é feia pra c... Tá reclamando do  quê? Deveria dar graças a Deus”. Nesse caso, a reprimenda foi mais  grave, e o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo entrou  com uma representação no Ministério Público Estadual.
“Uma pessoa que diz algo tão desprezível não deve ter noção de quanto  sofre uma mulher que passa por um tipo de violência como essa”, afirma a  presidente da entidade e chefe da Delegacia de Defesa da Mulher,  Rosmary Côrrea. Em julho, o próprio MP, por meio do Núcleo de Combate à  Violência Doméstica e Familiar da Capital, requisitou ao Departamento de  Polícia Judiciária da Capital a abertura de um inquérito policial para  apurar uma suposta prática de incitação e de apologia do crime. “O  estupro é um crime e o estuprador deve ser punido, e não publicamente  incentivado”, declarou, à época, a promotora Valéria Diez Scarance  Fernandes.
Divulgação

Lottenberg, da Confederação Israelita do Brasil: pedido formal de desculpas
Essa total falta de noção acomete vários outros humoristas da atual  geração. Companheiro de Rafinha no “CQC”, Danilo Gentili é outro que  abusa das piadas despropositadas. Em maio, ele escreveu no Twitter a  respeito da polêmica sobre a construção de uma estação do metrô na  Avenida Angélica: “Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A  última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz  (campo de concentração nazista na II Guerra Mundial)”. Muito criticado  pelo hediondo comentário, Gentili visitou a sede da Confederação  Israelita do Brasil e apresentou um pedido formal de desculpas ao  presidente, Claudio Lottenberg.
Pouco antes disso, o esquete “Casa dos Autistas”, veiculado em março  no “Comédia MTV”, de Marcelo Adnet, mostrou atores atuando, de forma  equivocada, como deficientes mentais confinados em uma residência, em  uma lamentável tentativa de parodiar o reality show “Casa dos Artistas”,  do SBT. A repercussão negativa obrigou a emissora a divulgar uma nota  oficial para se desculpar e afirmar que o programa “ultrapassou limites  aceitáveis do humor”.
Em maio, durante um quadro do “Legendários”, da Record, o  apresentador Marcos Mion disse que a transexual Nany People tem “uma  surpresinha” e perguntou: “Como ela faz para tomar banho? Como ela vai à  piscina? O que ela faz com o pacote?”. Uma ONG ligada ao movimento gay  não gostou e abriu um processo por homofobia. Apesar da escorregada,  Mion afirma que está se policiando mais. “Eu já fiz humor do mal, era  moleque e queria mudar o mundo. Mas hoje eu não conseguiria soltar uma  piada sobre alguém que está sofrendo com um câncer ou com uma tragédia  pessoal”, diz.
Quase hors-concours na briga dentro da lama, o “Pânico na TV”, da  RedeTV!, já recebeu 353 denúncias nos últimos quatro rankings da  baixaria organizados pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da  Câmara dos Deputados — 113 só no início deste ano. As queixas se referem  à exposição de pessoas ao ridículo, humor grotesco, excesso de nudez e  palavras de baixo calão. Entre os quadros denunciados estão o Momento  Amy Winehouse, em que um dos atores se veste como a cantora e sai pelas  ruas agredindo as pessoas, e Em Busca da Musa da Beleza Interior, da  dupla Vesgo e Silvio, em que eles abordam mulheres anônimas e as expõem  de forma degradante.
Divulgação Rede Globo

Marcelo Madureira, do programa global "Casseta & Planeta": "O Rafinha Bastos tem um tipo de gracejo adolescente. É bobo."
Entre os humoristas daqui, impera o velho discurso da liberdade de expressão. E o raciocínio de que a própria graça da piada (ou ausência dela) dá a medida do que deve ser dito ou não. “Acho absurdo usarem o argumento da liberdade de expressão como justificativa para esse tipo de piada. Não foi para isso que pessoas morreram pela democracia”, diz o escritor, dramaturgo e jornalista Marcelo Rubens Paiva. “Grosseria não é um elemento de humor, é uma questão equivocada de ignorância histórica, de não saber os limites do que é engraçado.”
O humorista Marcelo Madureira, do “Casseta & Planeta”, reforça: “Quando você ofende alguém, é porque não houve graça, falhou. O que acho curioso no Rafinha Bastos é que ele tem um tipo de gracejo adolescente. É bobo”. Decano da televisão brasileira e ex-vice-presidente de operações da Rede Globo, o empresário José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, vê decadência na atual comédia brasileira. “O humor nacional está no fundo do poço, falta finesse”, lamenta ele. “Quando uma piada é feita com apelação e ofende a audiência, é porque ela é ruim. E isso é o mesmo que chamar o público de burro.”
Marcos Rosa

Boni, ex-vice-presidente de operações da Rede Globo: "O humor nacional está no fundo do poço, falta finesse."
Reinaldo Canato

Marcelo  Rubens Paiva, escritor, dramaturgo e jornalista: "Acho absurdo usarem o  argumento da liberdade de expressão como justificativa para esse tipo  de piada."
 
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